Depoimento de Luciana de Fátima João, usuária de São João da Boa Vista
Os vários R de um câncer
O tempo, senhor de toda razão, o melhor pedagogo do mundo, fez-me pensar e debruçar-me incansavelmente, noites a fio, sobre todos os erres possíveis da palavra câncer. São muitos, obviamente, e ricamente pessoais. Não quero ser exemplo, é muita responsabilidade, mas posso sim, ser apenas referência. Literária, em prosa poética, despretensiosamente. Há de se fazer poesia, sempre, inclusive sobre as adversidades, tempos difíceis e áridos e isto não é novo. A literatura universal tem bons exemplos. Alguns tornaram-se mais Amigos do que antes. Os que eu pensava serem Amigos, se foram. É a lei do universo, o movimento cíclico cumprindo seu papel. Uns vêm, outros vão. O velho dá lugar ao novo. Mas, de um modo geral, há muita solidariedade. Principalmente entre os portadores da doença. Agora, chamam-nos assim.
Portadores de doença grave(no caso do câncer, neoplasia maligna) ou de necessidades especiais. Somos especiais mesmo. Porque tudo que nos envolve é demasiadamente cruel e severo. Diagnóstico, doença e tratamento. "Deus não escolhe os capacitados, mas capacita os escolhidos". É desta forma que me sinto. Fui escolhida por Deus, a dedo. Minha presença, minha palavra, meu testemunho de fé talvez possam ser importantes e úteis para alguém. Por esta razão, já valeu minha existência. Tive e tenho o privilégio diário de encontrar e conviver com pessoas incrivelmente amorosas e comprometidas com a Vida.
Enfermeiras, médicos, radiologistas, secretárias, psicólogas, fisioterapeutas, nutricionistas, farmacêuticas, acupunturistas, estagiários, voluntários, padres, paroquianos, vizinhos amigos, amigos vizinhos, ASSOCIAÇÃO ABRAPEC, monges da Ordem de São Bento, todos, os quais se tornaram irrevogavelmente e para sempre AMIGOS. São verdadeiros exemplos de fraternidade e no caso dos voluntários, de cidadania. Pessoas que têm o DOM. Pessoas amadas. Por isso, expressam tanto amor. É a compaixão. Vivemos literalmente, apaixonados, uns pelos outros. É o próprio Deus entre nós! São assim agora, o meu tempo, os meus erres. Recolhimento – enquanto não me recolhi, estive no sofrimento. Lutar contra as circunstâncias é perder-se e desperdiçar energia. Resignação – ato de concordar com o agora, render-se às circunstâncias, à doença, ao tratamento, à cruel e necessária quimioterapia, ao deserto. Meu querido amigo oncologista verbalizou esta palavra numa ter rível crise existencial que sofri às vésperas da primeira sessão de quimioterapia. Resolvi repensar e rendi-me. Resignei-me. Terminou a minha resistência. Este ato tem de ser praticado a cada minuto. O Kardecismo muito se utiliza desta palavra.
Os budistas e católicos praticam a aceitação. Reordenamento – Vi-me obrigada a reordenar os afazeres do dia a dia. A ordem é a prioridade. Eucaristia e Escritura Sagrada, alimentação, terapia e fisioterapia. Tudo o mais pode esperar. Reclusão – ato de encerramento. Inexorável. Conclusivo. Categórico. Sentença proferida sem grau de recurso. Ponto final. Refazer- procedi, obrigatoriamente, a releitura da minha vida, da minha história. Mover-se para atrás é a cadência do prefixo re. Não vou cometer os mesmos erros. Fui pensando em outros erres: repensar, refazer, refletir, rezar, resiliência, reforma íntima, repouso, reencontro, resgate, recomeço. Recolho-me, resigno-me, reordeno-me, recluo-me, refaço-me, reflito, rezo, me estico e me puxo, me reformo, repouso, reencontro a mim mesma, resgato-me e recomeço, todos os dias. Há mais erres... Luciana de Fátima João. http://www.abrapec.org/depoimentos.htm l
Depoimento de Luciana de Fátima João, usuária de São João da Boa Vista
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Eliana Sá e Ricardo Sá,são exemplos de que depressão se equilibra e vivemos felizes simmmmmm
